quinta-feira, 17 de março de 2011

O STF E A QUESTÃO DOS SUPLENTES

Por Carla Karpstein (Advogada Especialista em Direito Eleitoral)
                    
                     A matéria eleitoral é, indiscutivelmente, a área mais dinâmica do direito brasileiro. Tão inconstante que vem aproximando nosso dia a dia jurídico daquele existente no Common Law, onde as decisões dos tribunais substituem os atos legislativos. Vários exemplos desse ativismo judicial tem se apresentado na nossa história recente, encampados principalmente pelo TSE, como no caso da verticalização e da infidelidade partidária.
                   O entendimento de alguns Ministros do STF, em casos concretos ainda não definitivos, de que a suplência, no caso de vacância no mandato, deve ser exercida pelo primeiro suplente do partido, mesmo nos casos onde houve coligação proporcional, é mais uma dessas situações inusitadas que se apresenta. Situação essa de extrema insegurança jurídica.
                       Tal raciocínio deriva da fidelidade partidária que, por sua vez, advém do entendimento de que uma democracia estável só se mantém com partidos fortes, que se só tornam consistentes quando detém de fato e de direito o poder dos mandatos obtidos nas urnas. Embora pareça de uma simplicidade irritante tal raciocínio – e daí demandar as decisões liminares de alguns Ministros do STF – há flagrante conflito de normas e princípios estabelecido.
                       Sim, a regra da fidelidade partidária – aquela onde mudar de agremiação partidária, sem justa causa,  estando no exercício do mandato gera a perda deste – é válida e importante para o fortalecimento da democracia. Mas manter a estabilidade do processo eleitoral, respeitando-se as regras pré estabelecidas no que tange aos registros de candidatura, à formação de coligações e à assunção de mandato também o é.
                       Todo o emaranhado da legislação eleitoral que hoje temos no Brasil – incluindo-se aí as Resoluções editadas pelo TSE e sua jurisprudência – convergem, sem nenhuma dúvida, para a preservação dos efeitos das coligações proporcionais no que tange aos reflexos eleitorais gerados, incluindo-se, por óbvio e essencialmente, a ordem de suplência. Suplência que é, afinal, o fim primordial da formação da coligação proporcional, dando chance ao partido com menor densidade eleitoral de obter de fato o poder.
                       O Código Eleitoral, ainda que um tanto desatualizado, mantém clara e válida a regra contida nos artigo 109 e 110[1], onde as Coligações se equiparam aos partidos para os fins de formação do quociente eleitoral. A confusão se estabelece com o disposto no artigo 112[2] do mesmo diploma legal, que omite em seu texto o termo “coligação”, dando margem à interpretações diversas, como aquela hoje tomada por alguns ministros do STF. Mas nossa legislação eleitoral deve ser, obrigatoriamente, interpretada de forma sistemática e não estanque; se todo o conjunto legislativo equipara a Coligação ao partido para efeitos eleitorais, essa é a intenção inequívoca do legislador.
                       A polêmica começou quando, ainda em dezembro de 2010, o STF concedeu liminar, em sede de Mandado de Segurança, determinando a posse do primeiro suplente do PMDB de Rondônia (que participou das eleições de 2006 coligado proporcionalmente) na vaga do ex-deputado Natan Donadon (PMDB-RO), que havia renunciado ao mandato para escapar das sanções da Lei da Ficha Limpa.  A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados acatou a decisão do STF e deu posse ao deputado João Batista (PMDB-RO) na vaga então ocupada por Agnaldo Muniz (PSC-RO), que era o primeiro suplente da coligação que elegeu dois deputados em Rondônia em 2006.
                       Cabe destacar que tal precedente tem sutilezas únicas: Muniz, o primeiro suplente da Coligação, havia concorrido nas eleições de 2006 pelo PP, que fazia parte da coligação, mas trocou de partido (PSC) antes de assumir o cargo, razão esta que fundamentou o pedido de posse do suplente do PMDB. Portanto, o fundamento utilizado pelo STF para conceder a liminar e determinar a posse do suplente do PMDB não foi apenas a fidelidade partidária ou o princípio de que o mandato pertence ao partido, mas especialmente manter a representatividade de tal partido na Câmara Federal. Vejamos.
                       Quando um mandatário se licencia para exercer outra atividade no Poder Público (uma Secretaria de Estado ou Ministério, por exemplo), a representatividade daquele partido ao qual ele pertence está preservada, ainda que não esteja exercendo o seu mandato diretamente na casa da leis para o qual foi eleito. Assim, não há que se falar em garantia de posse a suplente da própria agremiação, quando tal partido concorreu coligado proporcionalmente nas eleições, já que isso afetaria as condições em que participou e se saiu no respectivo pleito.
                       No caso de perda definitiva de mandato, o entendimento hoje esboçado pelo STF (e ainda não definitivo) de que o mandato pertence ao partido, nos parece o mais correto, pois manteria intacta a representatividade daquela agremiação partidária que acabou por perder uma das vagas conquistadas na eleição.
                       Porém, na esteira do entendimento esboçado pelo STF no caso de Rondônia, outras decisões no mesmo sentido (porém em situações fáticas diversas) se estabeleceram, provocando uma enorme confusão na composição dos partidos e blocos partidários tanto na Câmara dos Deputados quanto nas Assembléias Legislativas.   
                       A Ministra Carmen Lúcia, do STF e atualmente também no TSE, concedeu, no início do mês de fevereiro, duas liminares determinando a posse de suplentes do mesmo partido de parlamentares que se licenciaram para assumir cargos no Executivo de seus estados. Tais decisões nos parecem bastante equivocadas,  se promovermos a análise sistemática de nossa legislação eleitoral, principalmente porque não se trata de manter a representatividade do partido cujo mandato o licenciado exercia.
                       Mais do que isso, tal entendimento, ainda não confirmado pelo plenário do STF, promoveria o sepultamento das coligações proporcionais. Sem adentrar o mérito de isso ser positivo ao nosso sistema eleitoral (e penso que deveríamos sim extinguir as coligações proporcionais), fazê-lo logo após a realização de eleições gerais, onde as Coligações proporcionais foram amplamente utilizadas, não nos parece o mais justo.
                       As Mesas Executivas da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas onde existem casos típicos tem optado por seguir a legislação eleitoral e dar posse aos suplentes das Coligações, diplomados legalmente pelos TREs de seus estados, o que nos parece sábio tendo em vista a instabilidade jurídica provocada pelo entendimento unilateral de alguns ministros do STF. Destaque-se que, a se manter o entendimento de posse ao suplente do partido ao qual o mandato pertence, preterindo-se as coligações proporcionais formadas nas eleições de 2010, teremos a composição da Câmara dos Deputados alterada em cerca de 20 cadeiras, a mesma coisa acontecendo em Assembléias Legislativas com casos similares.
                       Além de tal situação, os mandados de segurança impetrados contra os atos dos presidentes das casas legislativas (Câmara e Assembléias) carecem de fundamento básico: não existe ato ilegal ou abusivo praticado por estes, já que dar posse à suplentes diplomados formalmente pelos Tribunais Regionais Eleitorais, dentro do que dispõe a legislação vigente, é prática que a lei determina. Mas isso é tópico para outra discussão.
                       O tema é árduo e profundo, não podendo ser esgotado em poucas linhas. Porém, necessária e urgente é a mudança do hábito nefasto de nossos Tribunais, no que tange a matéria, eleitoral, de alterar regras fundamentais durante o período em que ocorrem as eleições ou logo após o pleito, onde os efeitos daquelas ainda se fazem sentir. Se as Coligações proporcionais são nocivas para o sistema eleitoral, que se promova a tão falada Reforma Política, alterando-se a legislação, dentro do que dispõe nossa Constituição Federal.






[1]          Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediane observância das seguintes regras:
            I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido ou coligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher;
            II -repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares.
            § 1º O preenchimento dos lugares com que cada Partido fôr contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.
            § 2º Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os Partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

            Art. 111. Se nenhum Partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.
[2]          Art.112. Considerar-se-ão suplentes da representação partidária:
            I - os mais votados soba mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos;
            II - em caso de empate na votação, na ordem decrescente da idade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou de acordo com interpretaçao da Dra.Carla,que e o mais logico no caso de coligaçoes.Caso contrario nao haveria interesse em se realizarem tais alianças proporcionais.Parabens,Dra Carla.
PS.Espero que ela escreva mais neste espaço.

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